Montadoras tradicionais se unem contra incentivo a carros chineses montados no Brasil
Montadoras pressionam governo contra benefícios fiscais a carros chineses montados no Brasil e defendem indústria nacional.
Fonte: BydAlgumas montadoras mais tradiocionais do mudno como General Motors (GM), Volkswagen, Toyota e Stellantis decidiram se unir em uma iniciativa inédita para pressionar o governo federal contra os carros chineses no Brasil.
Essa movimentação acendeu o alerta nas empresas já consolidadas no país, que enxergam a iniciativa como uma ameaça direta à competitividade e à indústria nacional de autopeças.
O pedido da BYD entrará em análise na Câmara de Comércio Exterior (Camex) no fim de julho de 2025 e pode alterar significativamente as regras do jogo para os próximos anos.
Essa disputa mostra como os carros chineses no Brasil estão provocando uma reconfiguração do setor.
O que são CKD e SKD? Entenda os formatos de montagem
Antes de entender os impactos econômicos e políticos da solicitação, é importante compreender os dois regimes utilizados por montadoras que ainda não têm produção local completa:
CKD (Completely Knocked Down): kits de veículos totalmente desmontados, que precisam ser montados integralmente no país de destino. Costuma gerar mais empregos e desenvolvimento local.
SKD (Semi Knocked Down): kits parcialmente montados (com carrocerias prontas, por exemplo), que exigem menos etapas de montagem no destino e menor estrutura fabril.
Empresas como a BYD estão utilizando esses modelos como forma de acelerar sua presença comercial no Brasil enquanto finalizam suas fábricas.
BYD pede isenção fiscal para kits até 2028
A BYD, que está prestes a iniciar sua produção em Camaçari (BA) no local onde antes funcionava a planta da Ford, protocolou junto ao governo federal um pedido para que kits CKD e SKD sejam taxados com alíquotas menores até 30 de junho de 2028. A proposta sugere:
Imposto de 5% para kits CKD;
Imposto de 10% para kits SKD.
Atualmente, os percentuais praticados estão entre 18% e 20% para kits SKD e entre 5% e 7% para kits CKD.
No entanto, a expectativa do governo é elevar essas alíquotas progressivamente até atingirem 35% a partir de julho de 2028, equiparando-se aos impostos aplicados sobre carros completamente montados (CBU) importados de fora do Mercosul e do México.
A estratégia da BYD visa garantir competitividade em um momento de transição para sua operação local.
Contudo, esse movimento é visto pelas montadoras tradicionais como um atalho que compromete a concorrência justa, principalmente diante da crescente presença dos carros chineses no Brasil.
Montadoras tradicionais reagem e criticam o modelo
As líderes do mercado brasileiro se opõem veementemente à redução das tarifas para esse regime de importação.
Em carta enviada ao governo, GM, Toyota, Stellantis e Volkswagen alegam que a medida pode:
Reduzir a nacionalização da produção, comprometendo a cadeia local de autopeças;
Gerar impactos negativos no nível de emprego, com menos contratações na indústria;
Enfraquecer o ecossistema de inovação, tecnologia e engenharia automotiva do Brasil;
Criar um ambiente de concorrência desleal, favorecendo empresas que operam com baixos níveis de industrialização local.
Aliás, as empresas também destacam que já investem pesado no país: estão em curso mais de R$ 180 bilhões em aportes, dos quais R$ 50 bilhões se destinam ao setor de autopeças e R$ 130 bilhões a desenvolvimento de novos produtos, modernização de fábricas e tecnologias limpas.
Em jogo: competitividade, empregos e conteúdo nacional
Segundo fontes ligadas ao setor, a maior preocupação das fabricantes tradicionais é que, se os kits com baixa agregação nacional passarem a ser beneficiados, isso poderá desestimular investimentos industriais mais robustos.
Além disso, pode gerar efeito cascata sobre toda a cadeia produtiva, incluindo fornecedores de peças, logística, transporte e engenharia.
Enquanto marcas como a Volkswagen e a Stellantis operam fábricas com alto índice de nacionalização e geram milhares de empregos diretos e indiretos, a entrada facilitada de carros chineses no Brasil com montagem parcial comprometeria a sustentabilidade desse modelo.
Isso se agrava diante da crescente competitividade dos carros elétricos importados, segmento em que a BYD tem liderança consolidada.
GWM, Geely e outras chinesas seguem o mesmo caminho
A disputa não se resume à BYD e outras montadoras chinesas também estão investindo no Brasil com operações em regime CKD ou SKD.
Por exemplo, a GWM (Great Wall Motors) já iniciou a montagem de veículos na planta de Iracemápolis (SP), antiga fábrica da Mercedes-Benz.
Além disso, outras marcas estão em negociações ou mapeando o mercado brasileiro:
Omoda & Jaecoo (do grupo Chery);
Zeekr e Lynk & Co (do grupo Geely);
GAC Motors, que avalia entrada via importação e futura montagem;
Geely, que pretende produzir em parceria com a Renault, no Paraná.
O avanço dos carros chineses no Brasil mostra uma nova fase de competição industrial, que desafia o modelo tradicional de nacionalização e obriga o setor a repensar sua estratégia de desenvolvimento.
Camex decidirá o futuro da tributação em julho
A resposta do governo à solicitação da BYD entrará em discussão em uma reunião extraordinária da Câmara de Comércio Exterior (Camex) no dia 30 de julho de 2025.
A decisão pode abrir precedentes para outras montadoras e definir os rumos da indústria automotiva nos próximos anos.
Caso o pedido da BYD seja aceito, empresas como GWM e Geely podem pleitear os mesmos benefícios, alterando o equilíbrio atual de concorrência.
Já as montadoras tradicionais devem pressionar ainda mais por contrapartidas claras, como exigência de conteúdo nacional mínimo, metas de emprego e cronograma de nacionalização.
A resposta da BYD: “meteoro” versus “dinossauros”
Diante das críticas das concorrentes, a BYD reagiu publicamente, divulgando uma carta aberta em que se posiciona como agente de transformação da indústria.
A empresa se referiu a si própria como um “meteoro” que rompe com paradigmas antigos, e classificou as montadoras tradicionais como “dinossauros”, resistentes à mudança.
A fabricante chinesa argumenta que seu modelo é temporário e estratégico, e que o retorno à alíquota cheia de 35% já está previsto para julho de 2026, dois anos antes do prazo sugerido inicialmente.
Além disso, afirma que suas operações locais movimentam a cadeia de transporte, montagem e armazenagem, com geração de empregos e dinamismo econômico.
Conclusão: uma nova era de disputa automotiva no Brasil
O embate entre montadoras tradicionais e novas concorrentes chinesas marca o início de uma nova fase para o mercado brasileiro.
A decisão da Camex poderá impactar profundamente os rumos da industrialização, o equilíbrio competitivo e a estratégia de eletrificação veicular no país.
De um lado, as grandes marcas defendem décadas de investimento e estrutura produtiva sólida.
Do outro, novas empresas propõem modelos mais ágeis, com foco em carros elétricos e montagem flexível.
O que está em jogo vai muito além da tributação: trata-se de definir o papel do Brasil na transição para a mobilidade do futuro.